Candidaturas indígenas crescem no país, mas a sub-representação ainda é realidade

Publicado em 13/10/2022

Os invasores chegaram ao território original devastaram e assassinaram muitos dos nossos e, ainda hoje, em pleno século XXI, a violência persiste e está atrelada à sub-representação dos povos indígenas nos espaços de tomada de decisão política, espaços estes que deveriam garantir diversidade e direitos humanos. Os livros didáticos retratam ainda os povos do primeiro contato da invasão no Brasil, não mostram a atualidade da vida dos povos indígenas e sua cosmovisão de mundo, deste modo o imaginário do não indígena resume-se a figura do “índio” sem educação, sem leis e sem fé como mencionado nas cartas dos invasores à coroa portuguesa.

Há anos a sub-representação reforça a prática violenta do estado de negar direitos aos povos indígenas, mesmo que garantido constitucionalmente em meio a tantos avanços do movimento indígena. Os representantes do agronegócio, da ala evangélica e de especulação imobiliária tornam a todos os anos eleger seus representantes nas Câmaras e Assembleias Legislativas, no Executivo e no Congresso Nacional, tomando de assalto os espaços que deveriam ter maior participação popular.

São ataques sistêmicos indo na direção dos povos indígenas, projetos e leis que visam aumentar ainda mais a violência e a exploração de suas riquezas. Dois projetos  apresentados na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, fazem parte dessa “nova política”: o PL 191/2020, proposto pelo Governo Federal, tem por objetivo a mineração, assim como a construção de usinas hidrelétricas e outras atividades econômicas em terras indígenas. As organizações que atuam principalmente dentro dos territórios indígenas na Amazônia legal, relatam não haver compatibilidade com o PL. E o Projeto de Lei 490/2007, que fragiliza os direitos indígenas propondo a legalização de empreendimentos em áreas reservadas, permite a retirada da posse de terras e dificulta as demarcações de novas áreas.

Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira – COIAB “[O PL] afronta a dignidade dos Povos Indígenas ao impor verdadeiro retrocesso social”. Esse projeto visa contrapor a consulta livre prévia e informada, que dispõe a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), colocando as populações indígenas amordaçadas sem qualquer poder de veto. “O PL transforma a consulta prévia em mera oitiva”, diz Menezes.

Em carta a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) menciona a gravidade da aprovação da tese do Marco Temporal, levantada também pelo setor ruralista, que prevê reconhecimento da demarcação das terras indígenas somente aos que estavam presentes e ocupando seus territórios no dia da promulgação da constituição federal em 1988.

“A tese do marco temporal não encontra qualquer possibilidade de acolhimento constitucional, sendo a-histórica, anacrônica, casuística e inadmissível. Sua inconstitucionalidade é flagrante, na medida em que afronta diretamente a Constituição Federal quando esta determina que o direito dos povos indígenas sobre suas terras tradicionalmente ocupadas é originário, antecedendo inclusive ao próprio Estado brasileiro e seu ordenamento jurídico. O art. 231 é evidente: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

 

As consequências não estão ligadas somente aos territórios ou as vidas das populações indígenas, mas todo um ecossistema que depende das florestas em pé e das águas dos rios, os impactos ambientais são catastróficos. A exploração desenfreada irá causar danos irreparáveis para as populações que vivem e dependem do plantio, da caça e pesca. “A aprovação desses PL — que consideramos inconstitucionais — vai levar essa economia da destruição para as demais áreas”, diz Tito Menezes, assessor jurídico da COIAB, em uma entrevista ao Brasil de Direito.

Devido aos retrocessos que a bancada ruralista – deputados e senadores alinhados com o agronegócio – tem votado no Congresso Nacional, o movimento indígena em abril deste ano lança=ou a “Campanha Indígena: demarcar as urnas”. O objetivo foi fortalecer a rede de lideranças indígenas que pleitearam vagas no legislativo estadual e federal, junto às organizações que compõem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Ao todo, a eleição de 2022 contou com 172 candidatos e candidatas se autodeclarando indígena.

Ocupar para resistir

Em 2022 o povo brasileiro teve a chance de realizar uma reparação histórica, referente à sub-representação das populações indígenas nos espaços de poder. Somente com as representações indígenas ocupando as cadeiras do legislativo estadual e federal poderemos avançar na pauta dos direitos dos povos indígenas.

No entanto, as dificuldades dessas candidaturas se constatam desde o início. Apesar do crescimento de 32%, o número de indígenas que disputaram as eleições não representa nem 1% do total de candidatos. A desigualdade na distribuição do fundo eleitoral também atingiu em cheio as candidaturas indígenas, sobretudo de mulheres – dados do portal JOTA estima que 29,6% das indígenas que disputaram a Câmara Federal não receberam nenhum recurso proveniente do fundo.

Ainda assim, as mulheres se destacaram para a câmara federal, elegendo Célia Xakriabá em Minas Gerais, Juliana Cardoso e Sônia Guajajara em São Paulo. Já a primeira mulher indígena eleita para a Câmara, Joenia Wapichana em 2018, mesmo sendo a sexta mais votada do estado em 2022 foi prejudicada devido ao coeficiente eleitoral e não conseguiu a reeleição.

Além das três eleitas, um deputado federal e dois senadores se elegeram: Paulo Guedes, Wellington Dias e Hamilton Mourão – sendo que há contestação do movimento indígena sobre essas três autodeclarações. Já nos estados, Jerônimo Rodrigues irá disputar o governo da Bahia no segundo turno, enquanto que Anne Moura é vice na chapa que disputa o governo do Amazonas, autodeclarados.

Ocupar a política, portanto, é uma forma de buscar a representação e proteção dos mais de 230 povos indígenas do Brasil, em um momento em que é urgente colorir os espaços de poder e dar voz e poder de decisão para os que sofrem com a sub-representação.

Em âmbito da Amazônia foram mais de 100 mil votos na bancada do cocar, para o coordenador geral da Coiab, Toya Manchineri “Os parentes estão demonstrando cada vez mais interesse em votar em candidatos indígenas, representantes das lutas do movimento. Mas enquanto organizações indígenas precisamos fortalecer a formação política, pois não será somente as mobilizações que fazemos nos territórios que irá impactar nos nossos direitos, mas estar nos espaços de prefeitura, governo, legislativo e porque não no judiciário”.

Foram mais de 500 mil votos na bancada do cocar e o resultado expressivo fortalece a inserção das lideranças indígenas nos pleitos eleitorais. Segundo Kleber Karipuna, coordenador da APIB representando a COIAB, a votação demonstra que avançamos muito na participação política, e por isso é preciso continuar fortalecendo as candidaturas indígenas pois daqui há 1 ano acontecerão eleições municipais e o “Campanha Indígena” irá trabalhar no fortalecimento e protagonismo das lideranças para a ocupação na esfera municipal.

A Constituição Federal garante os direitos originários, porém a carta magna do Brasil não tem sido respeitada pelos ditos “representantes do povo” que exalam ódio e violência contra quem chamam de minorias. No início do mês de setembro, duas lideranças indígenas do povo Guajajara foram brutalmente assassinadas; uma criança de apenas 13 anos do povo Guarani Kaiowá assassinada; inúmeras são as vítimas deste estado que visa lucro acima de vidas indígenas.

Por isso é urgente que o Brasil continue ampliando a bancada do cocar e iniciar o maior processo de retomada dos direitos das populações indígenas, quilombolas, extrativistas, etc, nas Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional. É preciso demarcar o território indígena chamado Congresso Nacional e mostrar a potência dos povos indígenas do Brasil.

 

 

Por Alana Manchineri, da comunicação da Coiab e Ruwi Manchineri, da Matpha e do GT de combate à desinformação e discurso de ódio da Amazônia Legal do Intervozes.

 

*Esta reportagem foi produzida com apoio do programa Diversidade nas Redações, da Énois, um laboratório de jornalismo que trabalha para fortalecer a diversidade e inclusão no jornalismo brasileiro. Confira as metodologias na Caixa de Ferramentas” (https://caixadiversidade.enoisconteudo.com.br/)

 

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